tudo é provisóriamente eterno para os poetas... tudo é eternamente provisório para os amantes e o poema apenas a configuração do instante.

-Capinam-

11 de maio de 2015

(Re)Encontros.

Às vezes é preciso se perder para poder se reencontrar... Neste movimento, estar perdido pode ser o momento mais importante para aprofundar em si mesmo... chegar ao íntimo do que se é, de suas dores, angústias, prazeres e efemeridades,  de sentir sua fragilidade de fugacidade tão intensas ao ponto de pensar que a realidade não é existente, nem explicável... Que na verdade tudo isso é um conjunto desordenado de caos e insanidades. Tudo fruto do que estamos tentando escapar a todo o momento. Tudo fruto de nós mesmos, do que somos quando não sabemos quem somos.
Hoje acordei desanimada. Um dia ensolarado, bonito até, cheio de coisas pra oferecer, porém como acordei permaneci... estirada na cama, pensando que sentido faria levantar e enfrentar um cotidiano que não me deixa espaço pra pensar. Deitada estava, deitada fiquei, deitada estive até que ouvi tocar uma música que há tempos não ouvia... Aquilo foi como se estivessem injetando sangue nas minhas veias e por um momento já não era mais possível estar deitada. Precisava saber de onde vinha, quem ouvia, quem além de mim gostaria de uma música dessas pela vizinhança.
Com meus pijamas percorri a calçada até identificar um portão verde, o qual nunca havia reparado antes, quatro casas após a minha... e inevitavelmente toquei a campainha. Enquanto aguardava alguma resposta não pude deixar de ficar me perguntando como não havia reparado neste portão antes... quantas coisas tão próximas a mim e que não as vejo realmente... Porque será que eu não as vejo?
Eis que minha resposta chegou ao meu encontro, e depois do barulho de ferrolho enferrujado a abertura do portão verde me revelou os olhos grandes de uma outra pessoa que me fitou tão surpresa que não podia esconder sua expressão. Ela que tinha os olhos castanhos mais bonitos e brilhantes que eu já havia visto, vestia pijamas de calça comprida como eu, talvez também pensando que não valeria muito a pena trocá-los no dia de hoje.
De um jeito meio desajeitado, cocei a cabeça e perguntei se estava incomodando... mas que de toda forma e por algum motivo que não sei explicar essa música me fazia sentir uma mistura de sentimentos tão grande e que como não era muito conhecida, eu não me contive em procurar saber quem a ouvia... Quem além de mim a ouviria tão alto, tamanho dia útil, logo no dia em que me senti tão desanimado, pequeno e insignificante?
Ela sorriu e seu sorriso misteriosamente pareceu fazer parte da melodia da musica que me atraía. Seu sorriso imperfeito e que por sua imperfeição parecia o mais perfeito pra mim, acompanhou um convite para entrar, um convite para um café na varanda. E assim ficamos sentadas, café em mãos, escutando a música terminar e tendo expressões parecidas a cada parte... Terminada a canção ela tirou o cd, que na verdade era uma cópia, e me deu de presente dizendo que poderíamos ouvi-lo qualquer dia desses... que afinal não conhecia muita gente que gostava da música e inclusive não entendia como podiam não se deliciar com ela. Naquele momento senti nascer uma conexão que não sei explicar. Me despedi, pedi desculpas pelo incomodo e disse que devolveria o cd assim que possível.
Chegando em casa, passei o dia inteiro ouvindo as musicas gravadas e cada uma delas pareceu diferente para mim... diferentes de todas as vezes que já havia ouvido. E ao anoitecer, deitei e de fones de ouvido sem conseguir tirar a lembranças dos grandes, expressivos e castanhos olhos atrás da porta verde. Pensei... o quão incríveis e inesperadas podem ser as conexões que fazemos com as outras pessoas. Naquele momento eu já não era mais a mesma, algo tinha mudado, mesmo eu não sabendo o que era...
Adormeci pensando no que diria amanhã quando fosse devolver o presente, pensando no quanto gostaria de conhecer a alma daquela que me ajudou a ter um dia diferente do que eu esperava... e ajudou sem esforço nenhum... que me ajudou apenas por me encontrar... por sua alma se encontrar com a minha.
Adormeci querendo que amanhecesse e que fosse um dia ensolarado para se cantarolar enquanto se passa um café... De repente acreditei que poderia ser um bom dia para conhecer coisas novas. Um bom dia para cafés, conversas, musicas e silêncios. E que talvez existir fazia muito sentido. Adormeci sorrindo.



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